23.4.09

Metrô

Quando eu falo que não vou tirar carta tão cedo simplesmente porque não quero dirigir e prefiro usar o metrô, o pessoal me olha estranho, como se eu fosse um ET.
Bom, me desculpem, mas do jeito que eu vejo, quem iria preferir ficar três horas em engarrafamentos, dentro de um veículo poluente e sem graça, quando pode usar um trem que anda embaixo da terra, polui bem menos, e , principalmente, é frequentado por muito mais pessoas?


Esse último item pode parecer uma desvantagem (metrô Paraíso às seis horas da tarde que o diga), mas saca... é o fato que há mais pessoas além de você que, na maioria das vezes, faz com que a viagem fique bem mais interessante.
Por exemplo, uma vez em que eu estava no metrô lá pelas duas horas da tarde, aquele horário do dia em que a gente está de barriga cheia e começa a dar um soninho. Por sorte eu estava bem acordada pra ver, no fundo do trem, três mulheres sentadas: uma mulata de uns quarenta anos adormecida, uma japonesa estudante lendo o que parecia se "O Auto da Barca do Inferno", e outra mulata de uns trinta anos, também adormecida, com uma criança no colo. Três mulheres que provavelmente nunca se viram na vida e não tinham nada em comum, sacudindo na mesma intensidade e para os mesmos lados, mexendo as exatas mesmas partes do corpo a cada sacolejo do trem, parecendo três bonequinhas "joão bobo" iguais. Não escondi o meu sorriso até sair da estação.
Quando eu veria três pessoas sacolejando juntas, se eu estivesse em um carro?


Outra coisa legal de usar o metrô é notar as pessoas que divdem o vagão com você.
Além de verdadeiros personagens sociais (o cara de terno e gravata indo pra alguma reunião, o estudante de cursinho devorando uma apostila durante a viagem, o músico revoltado cheio de piercings, carregando um violão nas costas, o vovô segurando o curioso netinho pela mão, a mãe de família batalhadora, os adolescentes que não estão nem aí), dá pra topar com figuras singularíssimas, como o pirata que eu encontrei outro dia. Lenço azul claro na cabeça, barbicha trançada (como as três do Jack Sparrow) com uma fita azul mais escuro, colar com pingente em forma de gota invertida, camisa de mangas até o cotovelo, provavelmente escondendo alguma tatuagem (ou pelo menos era isso que parecia pra mim). Ele tinha toda a pinta de um pirata moderno tentando não se destacar tanto, para enganar os guardas, porém sem perder sua identidade. Ele só andou uma estação, por isso não consegui observá-lo mais.
Mas só aquela estação já tinha valido. Quer dizer, eu tinha encontrado um pirata no metrô!

Figuras legais de se encontrarem são os tatuados. É uma delícia ficar observando os desenhos nos seus braços, pernas, pescoços, etc, etc.
Indo à USP com a Penny, dividimos o vagão junto com uma moça que tinha no braço uma tatuagem um tanto incomum: era um varal, com pregadores e passarinhos pretos se olhando! Não era uma flor, uma estrela, um nome. Era um varal! E tinha até nuvens ao fundo! "Você viu o varal?" Penny me perguntou. Vi sim, e gostei tanto! Foi a tatuagem mais original que eu já vi.

Os tatuados exagerados também são legais. Eles são aquela coisa meio preta, um pouco vermelha, com toques de verde, e com desenhos que você quebra a cabeça pra entender porque alguém tatuaria aquilo.
Uma vez vi um cara de cabeça raspada que tinha tatuagens nas duas pernas, e acho que nos dois braços. Digo acho porque prestei bem mais atenção nas pernas: em uma delas, tinha uma dama de copas tatuada! Na outra perna, acho que tinha um rei, mas não lembro. A dama de copas foi quem realmente me chamou a atenção. Eu fiquei olhando furtivamente pra ela, ela olhando pra mim, até que o dono daquela tatuagem desceu... na mesma estação que eu! "Vou seguir a dama de copas" pensei comigo, e fui atrás dela, com a cabeça baixa, até que o dono da perna parou e cumprimentou uns amigos. Oops. Não ia pegar bem uma menina ali parada olhando pra perna do cara, então eu fui embora.
Mas foi tão legal. E tão único.
Quer dizer, quando é que eu vou ver uma dama de copas tatuada na panturrilha esquerda de alguém? Vai demorar muito, principalmente se eu estiver de carro.

Outras personagens legais eu achei ontem, indo para as catracas. Eram duas irmãs, gêmeas, com o mesmo modelo de roupa, só com a cor da blusa diferente.
Até aí, nada de novo, certo? Pais de gêmeos adoram vestir suas filhinhas com roupinhas iguais.
O problema é que elas pareciam um pouquinho mais velhas do que eu.
E, fora algumas cores, se vestiam exatamente iguais! E exatamnte que eu digo é sem nenhuma vírgula fora de lugar!
A bolsa da Betty Boop era igual, uma verde, uma bege, os sapatos eram iguais, as calças jeans eram iguais, os óculos eram iguais, as blusas eram iguais (mudando as cores), o corte de cabelo era igual, a expressão de timidez era igual, o andar meio envergonhado era igual, até o cabelo era despenteado no mesmo lugar!


Uma coisa não muito legal no metrô é conversar lá dentro, porque sempre parece que os outros estão ouvindo. E bom, estão mesmo. Eu sempre acabo ouvindo a conversa dos outros, às vezes sem querer, às vezes de propósito. E nessa, às vezes ouço coisas bem interessantes.
Como uma vez em que três amigas, mais ou menos da minha idade, estavam logo ao meu lado, de pé no vagão cheio. E acho que elas eram um pouco inexperientes para pegar metrô, porque quase caíram algumas vezes, soltavam risadinhas e excalmações próprias de quem ainda não está muito acostumado. E lá iam elas conversando, soltando exclamações quando perdiam o equilíbrio e rindo umas das outras. Até aí, eu estava achando bem normal, nada digno de ser chamado de "episódio" do metrô. Até que eu escuto uma delas falando:
"Ai, na próxima estação vai entrar tanta gente, vamos ser esmagoteadas".
Esmagoteadas?
"É, mistura de esmagada com pisoteada" explica ela para a amiga.
Sou obrigada a virar a cabeça pra esconder o sorriso.


E há também os episódios legais que a gente passa no metrô, e só no metrô.
Por exemplo, ficar sozinho no vagão. Não tem coisa mais legal do que ter um vagão inteiro só pra você! Você e a sua imaginação, livres pra serem felizes por uma estação!
Alguns cantam alto, outros trocam de roupa, outros dão piruetas. Eu dei pulinhos indo e vindo, cantando "Eeeeu estou sozinha no vagãããão!"

Outro exemplo: animais no metrô. Animais, como todos sabem, não são permitidos no metrô.
Porém, uma mariposinha esperta estava com tanta vontade de andar de metrô que deu um jeito de driblar a segurança e entrar em um trem com destino ao Tucuruvi.
E ela estava feliz como algumas pessoas nunca ficam: esvoaçava pra lá e pra cá, procurava, explorava, chegava pertinho de uma pessoa pra ver melhor, era espantada com uma mão enorme e ia pra outro pedaço explorar mais. Alguns fingiam ignorá-la, outros olhavam meio nervosos, e uma menina alegre e contente que adora metrô acompanhava toda a sua trajetória, sorrindo e dando risadas bem audíveis.
A mariposinha deve ter se divertido a valer. E eu ganhei o meu dia, por causa dela.

Aliás, rir alto no metrô é coisa que pouca gente faz, quando não está em grupo.
Um vez, para promover a campanha de "na escada rolante deixar a esquerda livre para facilitar a circulação", três funcionários do metrô estavam vestidos de anjinhos, com uma batina branca, óculos estranhos de carnaval, um deles com um nariz falso. E eles estavam ao lado da escada rolante, entoando seu grito de guerra bem alto: "Deeeixe a esqueeerda li-vre!"
Eu ri um monte, e bem alto, ainda mais quando o único anjinho homem virou e gritou "Vamos lá pessoal, vamos colaborar com os anjinhos e ficar à direita! Aí, conseguiram, uma salva de palmas!".
As pessoas em volta olhavam furtivamente, ignoravam, ou olhavam com desprezo. E eu ria com gosto, e bem alto. Ganhei o meu dia, de novo.

Uma vez, subindo as escadas rolantes pra sair do metrô, ouvi um barulho estranho, vindo lá de cima. Quanto mais subia, mais o barulho aumentava e parecia com o de uma... flauta transversal!
Tinha um cara cheio de dreds no cabelo tocando flauta! Na saída do metrô! E o melhor, era a música do Sítio do Pica Pau Amarelo!
Fiquei estática ouvindo a música, de olhs arregalados, boca aberta, até perceber que estava atrasada.
Joguei umas moedas no estojo do cara e saí andando, super contente.
Tinha um flautista no metrô!
Preciso falar que ganhei o meu dia?

Se eu estivesse num carro, quantas vezes eu ganharia o meu dia por coisas como essa? Quantas vezes eu veria coisas como essa? Quantas vezes eu ficaria tão feliz em ver o céu quanto eu fico quando o metrô sai do subetrrâneo? Quantas vezes eu encontraria um pirata, ou teria a sensação de andar em um metrô espacial (senti isso quando andei no metrô novo, ontem)?

Por isso eu não quero dirigir ainda. Tenho certeza de que, com um carro, eu encontraria coisas pra ficar feliz, como essas do metrô.
Mas, bom. Enquanto um carro ainda não é absolutamente necessário, prefiro ir aproveitando os episódios do metrô.